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maio 25, 2011

O sol é que salva

O silêncio da madrugada é uma companhia ingrata. Ele abre a janela para deixar que o vento frio do outono lhe dê tapas em sua cara. É uma forma de se sentir menos sozinho. Do alto, ele pode ver muita coisa, mesmo estando tão para baixo. Está no quinto andar de um prédio pintado de verde e cinza. Às 4h da manhã, todos dormem e, por isso, ninguém vai reclamar das cinzas de um cigarro que flutuam no ar.
Um homem solitário sorri quando ouve a descarga de um apartamento vizinho. O céu está negro. Nem as estrelas te acompanham nesta jornada solitária pela madrugada. É inevitável: ele acaba se lembrando do pai morto, mesmo com a distância das estrelas mortas. O jeito é olhar para o infinito e concluir que pensar no futuro não é algo que lhe fará sorrir.
Ele ouve um blues e torce para que, nesta vida, não lhe reste apenas um tango argentino. Frio. Solidão. Tristeza. Depressão. Simples palavras que, justamente pela simplicidade, não conseguem traduzir o que é olhar para os lados e ver somente a branquidão das paredes frias. A televisão está no mudo. A partida de futebol reprisada fica mais bela quando quieta. Um time italiano de que tanto gosta vem perdendo mais uma partida. Perdas. E os danos.
Perdemos, a cada dia, um dia de vida. A morte se aproxima. E os vícios fazem com que nos aproximemos ainda mais dela. Mas está tudo bem, está tudo certo. A sociedade capitalista e consumista nos conforta com o poder de compra. A lata de cerveja é barata e o maço de cigarro que se esvai é algo que as notas de dinheiro contidas dentro de sua carteira podem pagar.
Uma ponta de esperança invade o ser daquele homem justamente quando as badaladas de uma igreja localizada há mais de cinquenta quilômetros de distância batem. Se tem alguém acordado naquela pequena cidadezinha às 4h da manhã deve ter ouvido as quatro badaladas. Ele não ouviu, mas, justamente neste horário, quando deveria estar dormindo há algumas horas, um fio de esperança bateu em seu peito e mandou deixar recado. Ligeira, a esperança disse: “volto logo”.
Ele olha um prédio que, há alguns meses, não existia. A construção em Maringá acontece com a rapidez da velocidade da luz. Se aquele prédio foi erguido em tão pouco tempo, pensa, a arquitetura do seu crescimento pode também ser projetado. O problema é que quanto mais perto do céu, no quinto ou no vigésimo andar, ele se sente cada vez mais distante da vida. Aquele prédio luxuoso tapou sua visão, escondeu a estrela distante e deixou, mais do que nunca, suas estrelas apagadas e seus mortos saudosos ainda mais longínquos.
É hora de fechar a janela, interromper os tapas dos ventos outonais e se entregar à quietude de uma insônia pré-fabricada. E não vai ter livro, fone de ouvido ou cobertor que possam amenizar a dor de um homem que sobrevive na madrugada sem carinho, sem mulher, sem mãe, sem irmã, sem amiga, sem luz que não seja artificial, sem a estrela morta que outrora brilhava a lembrança dos seus mortos. Ele está no quinto andar, sozinho e totalmente entregue a uma tristeza incalculável. Ele olha para baixo, mas decide não se jogar porque sabe que, em menos de três horas, o sol vai aparecer, vai aquecê-lo e transformar toda aquela quietude fantasmagórica da madrugada em mais um dia de labuta.

Wilame Prado-Conto publicado dia 24 de maio de 2011 na coluna Crônico, do jornal O Diário do Norte do Paraná.

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