O Papa Francisco reconheceu nesta terça-feira (26/11), em sua primeira Exortação Apostólica, que está "aberto a sugestões" para reformar o papel do papado na Igreja Católica Apostólica Romana.
O pontífice argentino convidou a Igreja a realizar uma "reforma profunda" de suas estruturas.
A noção de incentivar a tomada de decisões colegiais e dar prioridade principalmente aos pobres também faz parte do primeiro documento do novo pontificado.
Francisco escreveu as 142 páginas da versão em espanhol do texto, que também alerta contra a violência gerada pela pobreza e implora pela liberdade religiosa para os cristãos nos países muçulmanos.
"Cabe a mim, como Bispo de Roma, estar aberto às sugestões que se orientem a um exercício de meu ministério que o torne mais fiel ao sentido que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da evangelização", escreveu o Papa no documento, chamado de "Evangelii Gaudium" ("A Alegria do Evangelho"), primeiro texto pessoal de seu pontificado.
O texto equivale a um "programa oficial" do papado, e sintetiza opiniões que o pontífice tem expressado em sermões e comentários desde que tornou-se, em março, o primeiro Papa não europeu em 1.300 anos, sucedendo o agora Papa Emérito Bento XVI..
Em julho, Francisco encerrou uma encíclica iniciada por Bento XVI, mas ele deixou claro que o texto era, de modo geral,o trabalho de seu antecessor, que renunciou em fevereiro em um movimento surpreendente.
A exortação publicada nesta terça é apresentada no estilo de pregação simples de Francisco, diferente dos escritos acadêmicos de Papas anteriores, e enfatiza a missão central da Igreja de pregar "a beleza do amor salvador de Deus manifestada em Jesus Cristo".
Papel das mulheres e aborto
No texto, Francisco reitera afirmações anteriores de que a Igreja não pode ordenar mulheres ou aceitar o aborto.
O sacerdócio exclusivo para os homens, disse ele, "não é uma questão aberta à discussão", mas as mulheres têm de ter mais influência na liderança da Igreja.
Francisco também afirmou que "não se deve esperar que a Igreja mude sua postura" sobre a questão do aborto, pois o assunto não está sujeito a "supostas reformas ou modernizações. Segundo ele, "não é progressista pretender resolver os problemas eliminando uma vida humana".
No entanto, Francisco reconheceu que "fizemos pouco para acompanhar as mulheres que se encontram em situações muito duras, onde o aborto se apresenta como uma rápida solução para suas profundas angústias, particularmente quando a vida que cresce nelas surgiu como produto de um estupro ou em um contexto de extrema pobreza".
"Quem pode deixar de compreender essas situações de tanta dor?", perguntou.
Segundo o Papa, "a Igreja quer cuidar com predileção das crianças por nascer, que são os mais indefesos e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar sua dignidade humana para se fazer com eles o que se deseja, tirando-lhe a vida e promovendo leis para que ninguém possa impedir".
Ele acrescentou que "frequentemente, para ridicularizar a defesa que a Igreja faz de suas vidas, procura-se apresentar sua postura como algo ideológico, obscurantista e conservador".
A defesa da vida por nascer "está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano", sustentou. "Ela representa a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa de seu desenvolvimento."
Economia
"Algumas pessoas continuam a defender teorias que acreditam que o crescimento econômico, encorajado pelo livre mercado, vai inevitavelmente ter sucesso em resultar em maior justiça e inclusão no mundo. Essa opinião, que nunca foi confirmada pelos facos, expressa uma crua e ingênua confianda na bondade daqueles que detêm o poder econômico e na sagralidade do funcionamento do sistema econômico vigente", diz o texto
Política
"Peço ao Senhor que nos garanta mais políticos que esteja genuinamente incomodados com o estado da sociedade, do povo, das vidas dos pobres. É vital que os líderes do governo e os líderes financeiros ampliem seus horizontes, trabalhando para garantir que todos os cidadãos tenham trabalho digno, educação e saúde.
Exclusão social
Francisco advertiu que a desigualdade e a exclusão social "geram violência" no mundo e podem provocar "uma explosão".
"Enquanto os problemas dos pobres não forem radicalmente resolvidos por meio da rejeição da autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira, e pelo ataque às causas estruturais da desigualdade, nenhuma solução será encontrada para os problemas do mundo ou, nessa matéria, para quaisquer problemas", escreveu.
Ele também pediu às pessoas ricas que compartilhem sua riqueza. "Do mesmo modo como o mandamento 'Não matarás' estabelece um claro limite para salvaguardar o valor da vida humana, hoje nós também temos de dizer "Não deves" para uma economia de exclusão e desigualdade. Tal tipo de economia mata", escreveu.
"Como pode ser que não seja assunto para notícia quando uma pessoa sem teto morre por abandono às intempéries, mas é notícia quando o mercado de ações perde 2 pontos?"
Sobre a Igreja
"Prefiro uma Igreja ferida, dolorida e suja porque esteve nas ruas, a uma Igreja empobrecida por estar confinada e se agarrando a sua própria segurança", escreveu.
"A centralização excessiva, mais do que ajudar, complica a vida da Igreja e seu alcance missionário."
O Papa defendeu a colegialidade e convidou religiosos e sacerdotes a não temer "romper com os esquemas", a "serem audazes e criativos" e a evitar transmitir "uma multidão de doutrinas que tentam se impor pela força de insistência".
Muçulmanos
No texto, o pontífice argentino também "suplicou" aos Estados muçulmanos que garantam a liberdade religiosa aos cristãos, "levando em conta a liberdade gozada pelos islâmicos nos países ocidentais".
A declaração ocorre sete anos após a tensão no mundo muçulmano causada pelas declarações de Bento XVI em Regensburg, na Alemanha, relacionando o Islã à violência.
O Papa Francisco se mostrou preocupado com os "episódios de fundamentalismo violento", mas também clamou pelo fim das "odiosas generalizações", "porque o verdadeiro Islã (...) se opõe à toda violência".
O pontífice reiterou que é importante o diálogo e a aliança entre crentes e não-crentes.
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