"Estou certo de que foi um milagre", diz Paulo Coelho. Há quatro meses, o escritor de 64 anos estava às portas da morte. Ouviu de um cardiologista em Genebra, na Suíça, onde mora metade do ano, que tinha cerca de 30 dias de vida. Não acreditou. Mandou os exames por e-mail para outros quatro médicos. Todos concordaram com o prognóstico.
Tinha três artérias entupidas (entre 70% e 90%), e um infarto fulminante seria o próximo passo de sua biografia. Naquela noite de terça, 29 de novembro de 2011, fez um balanço de sua vida, enquanto virava de um lado para outro na cama que divide com a artista plástica Christina Oiticica.
"Estou há 32 anos com a mulher que amo. Sou bem-sucedido numa profissão onde pouquíssimos vencem. Cometi todas as loucuras envolvendo sexo, drogas e magia negra. Parei com tudo. Viajei o mundo. Foi uma vida boa. Vou feliz."
Na manhã do dia seguinte, o escritor teve dois "stents" (armações de metal que estufam o vaso sanguíneo) instalados nas artérias; a terceira foi apenas desobstruída. "Em dois dias você pode jogar golfe", felicitou-se o médico. Mas não é aqui que está o milagre.
Em setembro do ano passado, sua agente literária há 22 anos, Mônica Antunes, perdeu o pai, vítima de ataque cardíaco. Por isso, ela insistia que ele marcasse um teste de esforço na esteira. Ele disse que jamais o faria. Mas, dois meses depois, foi ao dermatologista, em Genebra, checar um pequeno problema na pele das mãos e comentou o assunto. Por acaso, um cardiologista de renome tinha seu consultório na porta vizinha. Bateu na porta e fez o teste de esforço no mesmo dia. As obstruções nas artérias foram constatadas e a cirurgia, realizada 40 horas depois.
Para um ateu, um agnóstico ou um niilista, o parágrafo acima não passa de uma série de acontecimentos sem ligações entre si, de uma enorme coincidência, de pura sorte. E é aí que está a essência de Paulo Coelho: "Eu acredito". Ponto.
BODAS DE PRATA
Paulo Coelho vive dessa maneira: levando esses sinais a sério, como se fossem colocados no seu caminho. Assim, a fala de um motorista de táxi assume em seus ouvidos a voz de um anjo que veio dar um toque: "Hoje não é um bom dia para caminhar por aí". O tropeçar no fosso seco de um castelo francês à venda significa, para ele, um conselho divino: "Não compre o imóvel, mesmo com essa bela ponte levadiça". E se submeter a um teste de esforço que lhe salvou a vida, quando estava tão precisado e jamais pensaria em fazê-lo, bem, isso é um "milagre".
"Deus não queria que eu fosse naquele momento." Simples assim. E, então, para horror de seus críticos, ligou o computador (PC) e, entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, escreveu um novo livro em apenas uma semana. Ainda sem nome, é a 21ª obra de sua carreira literária, iniciada em 1987 com "O Diário de um Mago" --que agora completa 25 anos. É por conta desse aniversário que recebeu a Serafina em seu apartamento suíço.
Paulo Coelho, vivendo de acordo com essas dicas celestiais, pode passar a impressão de ser um homem simplório ou mesmo ignorante. Mas não é assim. Ele fala quatro línguas (português, espanhol, francês e inglês), é vencedor de prêmios literários às dezenas, membro eleito da Academia Brasileira de Letras desde 2002, cavaleiro da Legião de Honra da França e, não menos importante, ex-parceiro de Raul Seixas!
Tampouco é alienado: passa as tardes lendo sobre política internacional na internet e anda empolgadíssimo com o livro "The Operators: The Wild and Terrifying Inside Story of America's War in Afghanistan" (algo como "Os Operadores: A História Selvagem e Aterrorizante dos Bastidores da Guerra Americana no Afeganistão", não publicado no Brasil).
Escrita por Michael Hastings, a reportagem derrubou o chefão das forças militares norte-americanas no Afeganistão, general Stanley McChrystal, ao descrever seu dia a dia arrogante e suas críticas ao governo.
A verdade é que, seguindo esse caminho esotérico, Paulo Coelho se tornou o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Não o melhor, mas o maior: o que mais vende livros (140 milhões, até outubro passado), o mais famoso (lançado em 160 países), o mais traduzido (73 línguas), o mais celebrado (tem 10,5 milhões de seguidores no Facebook e no Twitter).
"Menos, é claro, para a crítica brasileira", diz, em frente a um retrato seu e de sua mulher, pintado pelo também altamente criticado Romero Britto. "Eu sobrevivi à crítica, mas ela não sobreviveu a mim. Estamos passando por um período único, do qual poucos se deram conta. Como no Renascimento, uma inovação tecnológica está mudando tudo. Lá, foram os tipos móveis de Gutenberg que permitiram que as ideias viajassem. Agora é a internet, e os formatos têm que se adaptar a ela. Hoje, um livro é julgado por leitores nos sites das livrarias, por exemplo. A crítica especializada perdeu a relevância."
NAS NUVENS
Milionário há cerca de 15 anos, há seis o escritor comprou seu próprio avião, um Cessna de oito lugares, para comparecer aos lançamentos que faz em todo o mundo. Fumante convicto, apesar de leve (seis cigarros por dia), a primeira coisa que quis saber era se poderia dar baforadas ali dentro. "Bem, o avião é seu. Pode fazer o que quiser", informaram-lhe.
E ele faz muita coisa que quer, como praticar arco e flecha no terraço de seu apartamento genebrino, apesar das reclamações do síndico. E não faz de jeito nenhum o que não quer, como almoçar (ele só toma café da manhã e janta) ou fazer ventar/chover a pedido da Serafina. "Eu posso, mas não quero", diz ele. "Posso realizar coisas mais impressionantes que essas, mas não vou contar. Se eu falar, só irão me perguntar isso daqui para a frente."
Diz que há 25 anos foi importante divulgar tais feitos na área da magia porque isso "ajudou a mostrar que havia um escritor ali, desconhecido". Não precisa mais disso. "Ventar não é um poder sobrenatural, é educação mental. Somos muito bloqueados pela necessidade de respostas, mas o mundo não está aí para responder. A magia é a ponte entre o visível e o invisível, mas é preciso ousar atravessá-la."
Rituais mágicos, poderes mentais, sensibilidade esotérica, tudo isso faz com que as pessoas confundam o peregrino com uma espécie de santo. Não no sentido religioso, mas no de um homem superior que dá a outra face quando é agredido. "Não sei de onde tiraram isso", reclama. "Não sou santo nem humilde." É um cara normal, talvez até um tanto vingativo, pode se dizer.
Uma história recente ilustra isso. Há 25 anos, Paulo Coelho começou sua carreira literária e, há 25 anos, guarda tudo o que foi escrito por e sobre ele. Primeiro eram recortes de jornais amarelados, depois microfilmes empoeirados e então tudo foi digitalizado. "Agora, estão na nuvem", conta. Estar na nuvem significa que todo esse material está num computador central que pode ser acessado de qualquer lugar do mundo.
São 40 gigas de textos, entrevistas para a TV e, principalmente, críticas contra seus livros. "Acredito que a pessoa deve ser responsável pelo que diz ou escreve. Por isso, quando alguém me pede um favor, mando fazer uma busca. Há pouco, um escritor quis meu voto para que ele fosse eleito na Academia Brasileira de Letras. Descobri na nuvem que ele havia falado mal de mim há 20 anos, num pequeno jornal. Respondi que não votaria em seu nome."
Moral da história, ditada pelo maior escritor brasileiro de todos os tempos, Paulo Coelho em pessoa: "Ame seu inimigo. Mas mantenha sua lista negra atualizada".
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