Conta a lenda que um rico mandarim chinês encheu-se de tédio pela sua vida faustosa e pelo seu poder sem limites. Nada mais despertava seu interesse, não sentia prazer por coisa alguma. Seus desejos mal eram formulados e já estavam realizados. Tinha perdido sua ligação com a vida e não havia nele a vontade de viver.
Percebeu a insensatez e a inutilidade de sua existência e temeu ficar louco. Para acabar com o sofrimento, o rico mandarim ordenou ao seu barbeiro que, num dia qualquer, sem nenhum aviso, ao fazer-lhe a barba, cortasse-lhe a garganta. Era uma ordem e tinha de ser obedecida.
Nos primeiros dias, o mandarim se fez barbear com toda tranqüilidade, pois não esperava que a ordem fosse cumprida de imediato, mas, à medida que o tempo avançava, começou a se perguntar se o dia seria amanhã. O mandarim passou então a viver cada dia como se fosse o último.
Livre da obrigação de viver, o rico mandarim se permitia ver como era lindo o amanhecer, como eram diferentes os tons de verde dos seus campos, como era alegre o canto dos pássaros e como eram belas as suas cores, como eram imponentes e cheios de força os rios que cortavam suas propriedades.
Viu também toda a beleza de uma tormenta, numa exibição gratuita de energia e violência. Viu também que tinha um corpo e se deu conta de que, só tendo um corpo capaz de sentir, podia viver a beleza da vida. Por tudo isso valia a pena viver!
Agora o barbear era uma agonia e, embora tivesse dado uma contra-ordem ao barbeiro, trocou de barbeiro, por via das dúvidas.
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