Quase 20 dias após a escolha do argentino Jorge Mario Bergoglio como novo papa, os refletores da mídia seguem voltados para o Vaticano. Mérito de Francisco. Desde o primeiro gesto em que saudou a multidão na Praça São Pedro pedindo a bênção aos presentes, a cada dia o novo pontífice surpreende os fiéis – e os conquista.
Horas depois de aceitar o cargo que os cardeais lhe confiaram, Francisco voltou com eles de van para a hospedaria Santa Marta – onde está até hoje, sem mordomos nem guardas, comendo no refeitório com os outros hóspedes, apesar de os apartamentos pontifícios estarem prontos a acolhê-lo.
João XXIII, ao ser eleito em 1958, revelou o sentimento de humilhação que teve ao ter seus pés beijados pelos cardeais, conforme o costume da época. Mais de 50 anos depois, Francisco não quis nem mesmo receber os cumprimentos de seus "irmãos" – como os definiu – sentado no trono papal, mas o fez em pé. E continuou a fazer gestos corriqueiros a qualquer "mortal": pagou sua conta na Casa Internacional do Clero onde residiu no período pré-conclave, ligou pessoalmente para párocos e amigos, celebrou missas com garis e jardineiros.
Quem estava acostumado a ler e ouvir discursos e homilias de Bento 16, notou a diferença "teológica" entre os dois papas: muito mais refinada e articulada a do primeiro, mais "pé no chão" a do segundo – e talvez por isso mesmo toque diretamente o coração das pessoas.
Nesta Semana Santa, Roma registrou um incremento de turistas, inclusive sul-americanos, e eram aguardadas 600 mil pessoas na cidade – fato que as autoridades atribuem ao chamado "efeito Francisco". De fato, impressiona a maneira como ele retribui as demonstrações de afeto que recebe: abraços calorosos, beijos carinhosos, principalmente nas crianças, e polegar ao alto. Ele gosta do contato com o povo, pede para parar o papamóvel com frequência para saudar de perto os fiéis – motivo de muita preocupação para a segurança do pontífice.
Mudando o protocolo
Quem está realmente preocupado com as mudanças de Francisco são os membros da Cúria. Dos cortes nas "pompas" pontifícias, passando pelas vestimentas e à geopolítica das viagens, aos poucos vai-se traçando o perfil de governo do novo papa. Entre colóquios e compromissos litúrgicos, chegou a hora de encontrar cardeais e responsáveis pelos "ministérios" da Santa Sé.
Na segunda-feira passada, por exemplo, foi recebido o Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades Apostólica, o cardeal brasileiro d. João Braz de Aviz. Tudo isso em vista de mudanças, reformas e, sobretudo, da iminente substituição do secretário de Estado, cardeal Tarcisio Bertone.
Aliás, esse é o método dos jesuítas: dialogar, consultar, meditar. E decidir sozinho. No que se refere às viagens, Francisco está mudando o protocolo. Aconteceu com o Brasil e depois com a Argentina. Já estava certo que o Rio de Janeiro seria o primeiro compromisso transatlântico do novo papa, pois é tradição que os pontífices honrem empenhos assumidos por seus predecessores. Mas a anunciada etapa a Aparecida surpreendeu o próprio arcebispo da cidade, d. Raymundo Damasceno Assis.
A foto que girou o mundo e registrou Francisco e o cardeal brasileiro sentados lado a lado na van que os levou à Capela Sistina, para a missa de encerramento do conclave, foi a ocasião em que o arcebispo convidou o recém-eleito para visitar Aparecida. Mais surpreendente ainda foi que a resposta positiva ao convite foi feita não pelo papa nem por seu porta-voz, mas pela presidente Dilma Rousseff, depois da audiência de 20 de março. Não se sabe ainda as modalidades da visita a Aparecida, mas ao que tudo indica será depois da Jornada Mundial da Juventude – que se realizará no Rio de 23 a 28 de julho – e será muito breve.
A vitalidade de Francisco, aliás, fez com que os organizadores da viagem refizessem o programa do pontífice na cidade. Inicialmente, com Bento XVI estavam previstas poucas aparições públicas. Com o novo papa, foram eliminados os três dias de descanso e acrescentados mais compromissos à agenda – tudo isso está em fase de análise. Fala-se também de uma "esticada" da viagem até a Colômbia.
Em todo caso, Francisco poderá voltar à América do Sul e visitar a Argentina na primeira quinzena de dezembro. Mais um vez, o protocolo foi deixado de lado. O anúncio não foi feito nem pela Santa Sé, nem pelo papa, nem pelas autoridades argentinas: a notícia foi difundida pela imprensa de Buenos Aires, citando "altas fontes" do Vaticano e também da Igreja local. Talvez Chile e Uruguai sejam incluídos nesta viagem.
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